As sociedades humanas se diferenciam em muitos pontos. Um dos mais notáveis são as diferentes formas de honrar entes falecidos. No mundo todo, as culturas têm maneiras singulares de encarar a morte e praticar os rituais apropriados, conforme seus princípios.
Muitas dessas práticas nos são estranhas, por apresentarem pontos de vista bem distintos do que é habitual em nosso meio. Entretanto, esse contato com outras formas de organização social nos possibilita lidar melhor com a diferença e, às vezes, encontrar caminhos mais saudáveis de elaborar o luto.
Ao nos colocarmos no lugar do outro e conhecermos outras visões do mundo, refletimos melhor sobre como interpretamos esses fatos. Por isso, descreveremos aqui como cinco culturas lidam com essa questão da morte e estabelecem seus próprios ritos. Confira!
México: o dia de los muertos
Esse é, provavelmente, o mais icônico e conhecido dessa lista. Isso, claro, por causa sua forma lúdica de lidar com algo que tende a ser um tabu. Realizado também em alguns outros lugares do mundo, o dia de los muertos é um festival de três dias de duração, ocorrendo entre 31 de outubro e 2 de novembro.
Suas figuras são comumente encontradas em contextos de outras culturas, mas, dentre as celebrações de outros países de língua espanhola com costumes parecidos, essa é a mais famosa.
Um desses elementos são as exuberantes e tradicionais calaveras. O termo costuma se referir às representações de crânios humanos feitas a partir de açúcar ou argila, mas também pode se referir a outras representações, como desenhos ou fantasias.
As marcas dessa celebração são a utilização de adornos coloridos e um espírito festivo para tratar da morte. E, para nós, cercar o assunto de tanta festividade pode até soar ofensivo, mas esse é um costume antigo dos mexicanos, que os faz vivenciar as experiências de perda de uma forma diferente.
Isso não significa que não seja difícil para eles perder um ente querido. Apenas que a morte, para os mexicanos, não é um tabu, o que faz com que a sua relação social com ela seja bem menos dolorosa do que a nossa, no geral.
Espanha: o dia de todos los santos
Celebrado no dia primeiro de novembro, o dia de todos os santos espanhol (presente ainda em outros países, como Portugal) tem alguns paralelos com o dia dos mortos mexicano. Apesar de ser um evento de proporções menores, ele também se caracteriza pelo tom mais efusivo e o uso de vestimentas coloridas.
Nessa época, uma conhecida tradição da Espanha é uma receita chamada Hueso de Santo, ou Osso de Santo. Produzidos desde o século XVII, esses rolinhos doces — normalmente, com recheio de ovos — são feitos para serem comidos junto aos mortos!
De fato, a ideia de passar um dia inteiro no cemitério e fazer coisas tão íntimas nesse espaço pode parecer aversiva para muitos de nós. Porém, para os espanhóis, trata-se de uma forma de se aproximar daqueles que já partiram.
Para eles, “partilhar” a refeição com alguém que já faleceu é uma maneira de lembrar e manter viva as memórias dessas pessoas, que permanecem importantes para cada família.
Guatemala: a tradição de fabricar pipas
Na Guatemala, país da América Central, a data equivalente ao dia de finados também ocorre no primeiro de novembro. Suas tradições têm raízes indígenas, e também conservam um tom lúdico nas cerimônias, com uso de vestimentas e adereços coloridos para marcar a ocasião, tal qual fazem os seus vizinhos mexicanos.
Por lá, uma prática curiosa é a da construir pipas com mensagens endereçadas àqueles que já partiram, como forma de entrar em contato com esses entes queridos. Além disso, eles têm como tradição passar o dia limpando o cemitério e enfeitando os túmulos com flores.
Esse ato de passar o dia próximo de quem se foi remete a um entendimento interessante: aproximar-se da morte ajuda a encará-la de modo saudável.
Em vez de cercar os cemitérios e túmulos com uma aura nefasta, e evitá-los como um lugar de mau agouro, os guatemalenses ocupam esses espaços para entrar em contato com os seus antepassados e preservar suas memórias na sociedade.
Índia: o fim de um ciclo
De acordo com o hinduísmo, religião adotada pela maior parte dos Indianos, reencarnamos muitas vezes antes de alcançarmos a “vida eterna” — o que eles denominam como moshka. E o rio Ganges, que percorre algumas cidades indianas, seria um canal direto através do qual se pode alcançar esse estágio espiritual.
Assim, na tradição local, os corpos são carregados pelas ruas da cidade até alcançarem as margens do rio, então, a prática da cremação é utilizada como forma de propiciar a passagem dos entes queridos.
Trata-se de uma cerimônia muito privada, da qual participam apenas os familiares ou pessoas muito próximas.
Contudo, assim como nos outros países descritos, esse ritual é cercado de positividade, no intuito de fazer com que a passagem do indivíduo para a vida eterna ocorra da melhor maneira. Após se levar os corpos até o rio, eles são queimados em céu aberto, às vistas dessas pessoas mais próximas.
Ritos como esse, de cremar corpos a céu aberto e se confrontar com a morte de uma maneira tão radical, têm sido práticas cada vez menos comuns, mesmo em países orientais. Isso indica que há uma tendência global das sociedades em se esquivarem da morte.
Por isso, conhecer essas tradições é ainda mais importante para preservar outros sentidos possíveis para essa questão.
Japão: uma mescla de tradições
Os ritos japoneses em torno da morte derivam tanto de elementos xintoístas quanto budistas — ambas tradições muito presentes no país, e que se fundem na cultura local.
Lá, tem-se como prática a realização de um velório na casa onde morou o falecido. Normalmente, chama-se um monge budista para celebrar as cerimônias, que cuidará das práticas apropriadas para o momento. Essas práticas são atos como acender incensos e recitar mantras.
Apesar do crescente distanciamento dos familiares desse processo, ainda é comum no Japão que os parentes e amigos tenham esse último contato com o ente querido, em que têm a chance de tocar o corpo e “conversar” com aquela pessoa mais uma vez.
Na ocasião, assim como nas culturas ocidentais, veste-se de preto e poucos adereços são utilizados. Além disso, um gesto comum de solidariedade é presentear às famílias de luto com alguma quantia em dinheiro, como forma de ajudar a pagar os altos custos do enterro.
Enfim, como podemos ver, produzir rituais e interpretações sobre a morte são pontos compartilhados por qualquer comunidade humana. O que há de comum entre esses povos é que todos procuram dar sentido a algo que é, talvez, incompreensível.
Assim, conhecer como outras culturas definem as diferentes formas de honrar entes falecidos nos dá uma chance de repensar nossos próprios princípios frente a nossa condição humana. Dessa forma, quem sabe, podemos encarar melhor as nossas perdas.
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